Sallisa Rosa cria ‘arqueologia para o futuro’ em argila

Qual é a forma da memória? É um vaso, cheio até a borda, vazando histórias enquanto constantemente reabastecido? Ou é etérea, como fumaça ou perfume, vagando e florescendo, dispersando-se e permanecendo no ar que respiramos? Ou a memória é uma paisagem sentida cegamente, apalpada e agarrada na escuridão?

 

A artista brasileira Sallisa Rosa centra sua obra em questões de memória e história coletiva. Conhecida por suas instalações de grande escala, a artista considera como o mundo natural molda e carrega nossas heranças, mesmo em ambientes urbanos. Nos últimos anos, a artista, nascida em Goiás e radicada no Rio de Janeiro, rapidamente ganhou atenção da crítica.

 

Autodidata, Rosa expôs seu primeiro trabalho após atender a uma chamada pública em um museu do Rio. Em 2021, ela abriu sua primeira exposição individual no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro. Seus trabalhos também foram incluídos em exposições coletivas na SNAP, Xangai, Théâtre de L’Usine, Genebra, e na Royal Academy of Arts, Londres. Atualmente, a artista está em Amsterdã participando da residência artística Rijksakademie, uma residência de dois anos.

 

Para criar as obras, Rosa recrutou amigos e voluntários para ajudá-la a coletar barro de áreas ao redor do Rio. Para Rosa, trabalhar com argila coletada é essencial. “A terra é um lugar de memória, todas as nossas histórias estão armazenadas nela”, explica. “É muito diferente quando você trabalha com argila coletada. Há muita informação nesta argila – rochas, materiais orgânicos, lixo. Isso significa que é muito difícil de trabalhar porque é um material vivo.

 

Há mais risco, as coisas podem quebrar por causa disso, mas também me sinto mais confortável em saber de onde vem tudo isso”. Envolver sua comunidade também é essencial. “Essa é uma perspectiva super brasileira, de trazer outras pessoas. Quando você convida outras pessoas para trabalhar com você, é mais desafiador. Você precisa negociar o tempo todo e o trabalho muda por causa disso”.

 

Em sua instalação final, Topografia da Memória oferece um espaço imersivo com uma serenidade semelhante a uma gruta. Vasos redondos de cerâmica revestem o solo como rochas estranhas ou cabaças, enquanto outros vasos são moldados em picos semelhantes a estalagmites. Esferas redondas aéreas estão suspensas como planetas. Esta paisagem transportiva é projetada em uma luz âmbar e névoa suave se dispersa por toda a instalação, enfatizando a sensação difusiva de um mundo ao mesmo tempo subterrâneo e cósmico.  

 

Para Rosa, Topografia da Memória sugere o incognoscível, a perda de memória. Como muitos brasileiros de sua geração, a artista tem lutado para juntar sua história familiar e genealogia. À medida que a memória de sua avó desaparece com a progressão de sua doença, a compreensão de Rosa sobre sua história familiar tornou-se ainda mais fragmentada. O ato de reunir terra erodida e argila para criar essas obras torna-se uma tentativa coletiva de recuperar as próprias memórias erodidas. Em Topografia da Memória, estou fazendo uma arqueologia para o futuro. Coloquei uma memória dentro de cada obra na instalação e criei uma paisagem ficcional de significado.”

 

Grande parte da força do trabalho é sua própria adaptabilidade, sua maleabilidade. No ano que vem, a obra viajará de volta ao Brasil para uma exposição na Pinacoteca de São Paulo. Para Rosa, esse vaivém entre as Américas passará a fazer parte da própria memória da obra.

 

“O nome da minha avó é América. Ela nasceu em 12 de outubro, dia em que Colombo invadiu a América. Para mim, os continentes da América sempre têm essa conexão com ela”, disse ela. “Quando ela começou a perder a memória, eu senti, de forma coletiva, a gente começou a perder a nossa memória coletiva, a nossa história. Esta é uma forma de começar a lembrar”.

 

Publicado originalmente em 12 dez. 2023 – Dasartes