Herbert De Paz | Ibirapema

14 Agosto - 9 Outubro 2021 Rio de Janeiro
Apresentação

 

Ibirapema: 'esto de pelear con los cristianos no es como comer tortillas'¹

 

Cada vez mais, o modo como os cânones são operados no campo da história da arte buscam possibilidades de (re)elaboração de passados, através de um posicionamento crítico ao tradicional regime de circulação de imagens. Na pesquisa do artista salvadorenho Herbert De Paz, os processos coloniais de interpretação artística e cultural são dissolvidos na decupação de rudimentos de uma episteme euro-cristã. Suas pinturas revelam silhuetas insurgentes, figurando um complexo campo de disputa discursiva frente aos modos socialmente gerados de ver e habitar o mundo.


Imagens de Rugendas, Sá, e de Bry são desordenadas junto aos Cucumbis que dançam pelas ruas do Rio de Janeiro no século XVIII, uma ode aos corpos não normatizados que escapam da subjugação, através da dança como motor de liberdade e insurreição. Aludem ainda a uma manifestação popular das Américas, ordenada pela representação dos conflitos de conversão entre Mouros e Cristãos, a dança dos historiantes, dança que foi perpetuada pelos missionários nas Américas, contribuindo com a imposição do cristinanismo como único caminho aquém da aniquilação.

 

Leda Maria Martins, nesse sentido, propõe o entendimento do corpo como um portal de sabedoria, onde a partir da performance corpórea se atravessa o tempo², logo pensar a história para além da colonialidade exige atenção aos veículos transtemporais de manutenção de vida. Nestas obras, vemos transbordamentos entre evangelização e dança, trabalhados a partir de episódios onde as Américas, e os corpos que habitavam estas terras, se afirmam enquanto movimento pulsante de um baile em meio à guerra. Se a colonização empreendida pelo Estado e pelo Clero elaborou complexas estratégias de dominação, a ibirapema ³, metamorfoseada como pincel, interrompe a continuidade da catequização de nossos imaginários. Nesse sentido, Herbert De Paz entende a linguagem pictórica como um dos eixos possíveis de prefiguração do mundo, afirmando propostas estéticas em oposição às imagens orientadas por métodos interpretativos e fundados a partir de espectros traumáticos e violentos.


Aldones Nino⁴, 2021

 

 


 

¹ Trecho retirado de La Historia de Carlos Magno, segundo a transmissão oral, do artigo do filósofo salvadorenho Reynaldo Antonio Rivas: Los historiantes de Huertas: La danza de los Moros y Cristianos (2021), na Revista de Museologia Kóot, ano 11, n°12, p.71-87.

² MARTINS, Leda. Performances da oralitura: corpo, lugar da memória. In: Língua e Literatura: Limites e Fronteiras. Revista do Programa de Pós-graduação em Letras, n. 26 (Jun. 2003), p.75.

³ Ibira-pema, ivirapema, ivirapeme, tacape ou tangapema era o porrete de madeira com o qual os tupis, que habitavam a maior parte do litoral brasileiro no século XVI, matavam seus prisioneiros de guerra.

⁴ Historiador da Arte, Assessor de Formação e Educação do Instituto Inclusartiz (Rio de Janeiro, Brasil) e Curador Adjunto de Collegium (Arévalo, Espanha).

Vistas da exposição
Obras